quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Em memória de uma borboleta... [LARP]

Imaginemos nós que, por um simples descuido da natureza, fosse possível uma borboleta passar por metamorfose inversa. Como seria, depois de ter experimentado toda a harmonia entre seu corpo e sua alma, fazê-la percorrer esse descaminho. Conhecendo, pois, o que é ser uma borboleta em toda sua plenitude e potencialidade, como poderia a ordem das substâncias segundas lhe promover a percepção de tamanho distanciamento entre sua essência e seu corpo. Não seria natural, tão pouco justo e, por não ser natural ou justo, não poderia vir da ordem da natureza ou da justiça, muito mesmo da perfeição de Deus, pai de ambas. De uma ordem diversa talvez – não há explicação e nem se deve buscar uma.
Deixar de voar, tendo uma vez sentido o carinho do vento em suas pequenas asas, seria uma tarefa tão mais complicada quanto a inabilidade do primeiro vôo. Um aprendizado desses não poderia resultar senão em constrangimento entre a alma e o corpo. À alma teríamos que ensinar um novo limite. Uma limitação do corpo. Nada disso seria simples, visto que esta nova condição não seria capaz de limitar nem o passado nem as doces lembranças. E enquanto o corpo só conhece do presente, a alma é atemporal.
Porém, não haveria escolha. À alma não seria dada opção senão se acomodar e, aos poucos, perceber toda aquela mudança, que cada vez mais a empurra para longe de quem ela é. Um distanciamento inexorável que ao mesmo que a distancia, também, reafirma, pelo próprio afastamento, sua identidade. Se o corpo se afasta da alma, esta, por sua vez, aproxima-se de si mesmo. Cria seu mundo. Seu mundo-saudade, uma metafísica, seu palco reflexo de sua lembrança, do vento nas asas. E nela, tudo se torna possível novamente. Esse mundo confunde-se com sua alma, pois, construir-se-á como sua imagem, porquanto guarda tudo que é ideal. Essa imagem projeta-se em sua própria alma. Há a confusão do ideal com sua projeção, uma antítese platônica, visto que seu corpo, palco natural, torna-se distância. É a alma-palco ou o mundo-alma, mundo-saudade, mundo-ideal-e-real, tantos nomes. Intocável. Inacessível ao corpo. Mais que isso, responde ao corpo na mesma medida de separação, torna-se impenetrável a ele, já que este corpo não mais corresponde a si. Nesse momento, quem não o deseja mais é a alma da pequena borboleta.
Prenda-lhe o corpo, distancie-se da alma, viaje, transforme-se, não importa mais. Porque o vento toca novamente suas asas, toca seu rosto, o seu corpo é sua lembrança, sua vida e saudade. E sua alma, sua alma é eterna... A imutável alma de uma borboleta. [LARP]

2 comentários:

  1. Lindo, profundo e incontrolavelmente denso. A antítese entre a forte, imutável, invisível e interminável alma e o frágil, efêmero e insustentável corpo é inegável e muitas vezes inexplicável, pensamentos estes que também se antepõem. Achei muito lindo e um ponto de partida para a reflexão. Muito sucesso a você, sempre. Beijo.

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  2. ...pensamentos estes que também se contrapõem...

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